terça-feira, 21 de maio de 2019

[Livro] Atenção, cuidados e direitos: emergências sociais

Fui gentilmente convidado pela Editora Oyá para escrever o prefácio e ajudar na organização do livro "Atenção, cuidados e direitos: emergências sociais". Compartilho abaixo o prefácio que escrevi para o livro e o link com o site da editora, onde a obra [que tem versões impressa e digital] estará disponível para compra e download.

“Atenção, Cuidados e Direitos: Emergências Sociais” [Prefácio]

A reboque do neoliberalismo global que pressiona a "guinada radical à direita" na América Latina, o Brasil experimenta um período nefasto para a educação pública, marcado por cortes de verbas em todos os níveis e modalidades de ensino[1], pela desarticulação da pesquisa científica[2], por ataques – físicos e psicológicos – contra os educadores[3], pelo desmanche dos currículos e das políticas educacionais[4] e pela criminalização do conhecimento[5]. Em suma [e utilizando a palavra “mais fofa” que consigo encontrar para resumir o momento], pelo sucateamento total das condições objetivas e subjetivas que nos permitiam levantar da cama diariamente e buscar cumprir com dignidade nosso papel de educadores.

Tomando o contexto supramencionado, a grande questão que urge em meio ao medo e ao desespero que se entranham e familiarizam com o nosso cotidiano é sobre as possibilidades de resistência efetiva dos pormenores da vida, que no fim são a narrativa principal da nossa história civilizatória. Em outras palavras, devemos nos perguntar como discutir temas como a autoestima de professores e estudantes quando a escola não sabe nem se terá recursos para funcionar até o final do ano letivo? Ou como se debater a recuperação de adolescentes infratores internados quando os governantes sobem num helicóptero munidos de forte aparato militar e dão autorização para matar – sem processo, julgamento ou obediência às leis – os jovens da periferia?

De certo que a resposta para essas questões não é fácil, mas, em tempos de desesperança e caos, persistir com a luta cotidiana é um ato de resistência e coragem. Afinal, quando a brutalidade toma conta da totalidade e é imposta como tratamento padrão a ser aplicado aos processos socioeducativos, a sutileza na lida com os detalhes faz toda a diferença. E é disso que se trata o livro que você tem em mãos. Do olhar sutil e necessário de duas pesquisadoras que, cientes da impossibilidade de buscar respostas para o todo [sobretudo aquelas tidas como definitivas], apostam no estudo de temáticas que podemos designar como verdadeiras "emergências sociais", muitas vezes negligenciadas pelo 'caos maior' que – compreensivelmente – atrai a maioria dos olhares. Para isso, elas tomam como escopo a atenção, o cuidado e os direitos básicos que deveriam – e devem – nortear o estudo de questões como a autoestima de docentes e discentes dentro da escola básica e a [in]eficácia da internação como medida socioeducativa.

No primeiro capítulo, Charlene Souza parte de sua própria experiência como coordenadora pedagógica para discutir as categorias de "motivação" e "autoestima" frente o processo educativo dentro de uma escola municipal na zona rural de Santa Cruz Cabrália, na Bahia, sendo as relações construídas por professores e estudantes ao longo da vida de fundamental importância para a compreensão de fatores (ora externos, ora inerentes ao ambiente escolar) que podem determinar o sucesso ou a falha de um determinado projeto pedagógico.

Já no segundo capítulo, Thays Nali Agnolet aborda um tema que tem se tornado um tabu de difícil debate na sociedade, a saber, a execução de medidas socioeducativas de internação dos jovens. A compreensão da pesquisadora é de que essas medidas têm sido ineficientes, entre outras razões, porque o Estado não tem sido capaz de oferecer condições mínimas de dignidade aos adolescentes que são submetidos aos processos socioeducativos de ressocialização.

Ainda que as pesquisas – de forma acertada – não nutram a pretensão de dar por encerradas as discussões sobre essas "emergências sociais", tampouco de tapar todas as lacunas, elas contribuem para tirar da inércia questões pertinentes ao nosso tempo.

[1] Reportagem O Globo. Cortes no MEC afetam educação básica, anunciada como prioridade por Bolsonaro.
[2] Reportagem El País. Os primeiros efeitos da asfixia financeira de Bolsonaro sobre as ciências do Brasil.
[3] Reportagem Portal G1. UPE aciona Ministério Público para investigar panfleto que ameaça professores.
[4] Reportagem Folha de S.Paulo. Bolsonaro propõe reduzir verba para cursos de sociologia e filosofia no país.
[5] Reportagem O Estado de S.Paulo. MEC cortará verba de universidade por 'balbúrdia' e já enquadra UFF e UFBA.

Livro disponível na www.oyaeditora.com.br

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