Tenho o costume de me arriscar como escritor. Talvez cronista. Um reflexo da alma rasgada pela reportagem.
Isso de amor, coisa que se aprende com mãe
Isso de amor, coisa que se aprende com mãe
Hoje quero escrever do amor. É que tenho visto e ouvido
por demais coisas da tristeza, daquelas de silenciar sorrisos e corações. Aí,
só para colocar ânimo em tudo, pensei em começar com música (calma, talvez até
cantarole enquanto escrevo, mas por sorte dos ouvidos alheios os sons não
acompanham o texto). Não sei se sempre foi assim, mas já tem tempos que
melodias inspiram de forma estúpida ridículos apaixonados. E não é pra
menos. Vivemos na época em que Deus canta. A voz de Milton é a voz de Deus. Foi
Elis quem disse e acredito nela. E também foi o mineiro carioca de nascimento
(ou carioca Nascimento que é mineiro) que me conduziu ao altar, num dia cheio
de amor. Portanto, irrefutavelmente, Milton seria perfeito para iniciar essa
busca de palavras e adjetivos. O porém é que como mestre ele titubeou. “Quem
sabe?”. Ora, preciso de alguém com mais certeza para escrever o “isso” que
“quer dizer amor”. Beberei de outra fonte.
Lembro-me com nitidez do hábito que meu velho pai conservava de gravar suas canções prediletas em fitas, daquelas k7. Nunca soube ao certo o gosto musical dele. Sei que tenho vinis que herdei guardados no armário, muitos em inglês e que nunca despertaram meu interesse, assim como a língua com a qual brigo por obrigação nos últimos tempos. Também não posso dizer com precisão das fitas gravadas, nem do conteúdo, nem do destino. Sei o que preciso. Sua canção predileta é a minha também, o Trem das Onze, de Adoniran, que ele gostava com os Demônios e escuto com qualquer um que cante com o mínimo de afinação. E isso sei, meu pai gostava de samba. Talvez mais ou talvez menos que outros estilos, mas gostava. E de cerveja. Brahma, por favor.
Eu gosto ou gostava de Skol. Por uma questão genética de sertanejo e samba - viola por parte de mãe e pandeiro por parte de pai. Na verdade uma moda caipira quase sempre é minha preferida e a ideal para falar de amor. Quase. É que às vezes o amor não é tão exagerado e triste. Tem dias, muitos deles, aliás, que ele é mais animado e agitado, como as dedilhadas nervosas no cavaquinho. O problema do samba é que me lembra mais de cerveja que do amor. Pelo menos hoje, particularmente, quero escutar Zeca e abrir uma gelada. Mas antes da recompensa, sei que preciso cumprir o prometido e rabiscar qualquer coisa sobre este sentimento bonito.
Seria o amor bossa nova? Certa mistura de desencontro com o tempo e impossibilidades geográficas fazem com que bossa nova me lembre mais Tiradentes que o Rio. E Tiradantes me lembra frio, cerveja, caldos, bolinhos de bacalhau e amor. Muito amor e muitos beijos. Foi lá que gostei mais da letra que começou tudo. Tom, João e Vinícius em Chega de Saudade. Mais Tom e Vinícius, é verdade. E foi a mulher do último poeta que achou o verso infantil. Na visão dela, “peixinhos a nadar no mar” rimando com “beijinhos” era coisa muito da boba. Taí, isso posso afirmar do amor. É bobo, muito infantil. Mas, assim como a canção, atravessa os tempos, amacia opiniões, cria novidade da mais bonita e musical onde não existia nada, talvez por ser puro (ó, saíram as primeiras linhas).
No entanto, pensando bem (não se irrite comigo), a música talvez não seja mesmo a melhor fonte do momento, embora – também talvez – seja a melhor fonte para falar do amor. Complicado. É que depois de escrever do meu velho pai, de amor e de música, minha cabeça formou encruzilhada em nó. Uma história está martelando e o impulso é de contá-la, mas em poucas linhas, pois é do tipo que merece livro só dela.
Eliana é mulher que ninguém acredita que chora. Sorri e fala tanto que todos pensam,“com certeza não lhe sobra tempo para lágrimas”. E é linda.“Aos sessenta e poucos, com esses olhos azuis vivos e tanto fôlego para dançar, isso é coisa de quem não chora”, murmuram aos montes. Mas sei que chora, lá no seu íntimo de mulher, sei que chora. Certo dia, ao encontrá-la, deparei-me com um olhar que misturava as marcas de noite vivida em claro e o brilho do primeiro beijo. E o motivo era divino. Recebeu, às tantas da madrugada, a visita de seu amado. Conservando velhos hábitos, ele explicou que foi vê-la, falou da saudade, acariciou e repousou zelando pelo seu sono. Não lembro se realmente aconteceu o beijo, mas de certo não era necessário. Há quem vá acreditar que é coisa de espírito. Outros de fé, de alma. Talvez creditem até à imaginação. Penso ser de Deus. Ou de amor.
Horas depois de o amado partir, enquanto contava o caso contendo as lágrimas, a linda mulher me mostrou, sem precisar dizer em palavras. O amor que inflama doce-e-intensamente em vida, não apaga jamais. De uma forma ou outra sempre segue com o par. Ou nos filhos. É bonito como cada mulher que ama. É eterno sim, acredite ou não. É humano e divino. Triste e simples como a mais sofisticada moda de viola e animado como o mais belo samba enredo. É uma manhã de domingo em qualquer lugar que toca a música dos pássaros. É um entardecer na carioca e mineira Tiradentes, sempre ao som de bossa nova. É infantil por ser puro. Queima por ser desejo de adulto. Quem sabe o que quer dizer amor, não é mesmo mestre Milton? A gente sabe o que é. Sente, mas não conta com exatidão. Pois o máximo que consigo explicar do amor é isso. É coisa bonita que se aprende com mãe. E que o meu dure assim. Agora preciso escutar Zeca e abrir uma cerveja.
Sinceridade sobre carros e sobre ela
Lembro-me com nitidez do hábito que meu velho pai conservava de gravar suas canções prediletas em fitas, daquelas k7. Nunca soube ao certo o gosto musical dele. Sei que tenho vinis que herdei guardados no armário, muitos em inglês e que nunca despertaram meu interesse, assim como a língua com a qual brigo por obrigação nos últimos tempos. Também não posso dizer com precisão das fitas gravadas, nem do conteúdo, nem do destino. Sei o que preciso. Sua canção predileta é a minha também, o Trem das Onze, de Adoniran, que ele gostava com os Demônios e escuto com qualquer um que cante com o mínimo de afinação. E isso sei, meu pai gostava de samba. Talvez mais ou talvez menos que outros estilos, mas gostava. E de cerveja. Brahma, por favor.
Eu gosto ou gostava de Skol. Por uma questão genética de sertanejo e samba - viola por parte de mãe e pandeiro por parte de pai. Na verdade uma moda caipira quase sempre é minha preferida e a ideal para falar de amor. Quase. É que às vezes o amor não é tão exagerado e triste. Tem dias, muitos deles, aliás, que ele é mais animado e agitado, como as dedilhadas nervosas no cavaquinho. O problema do samba é que me lembra mais de cerveja que do amor. Pelo menos hoje, particularmente, quero escutar Zeca e abrir uma gelada. Mas antes da recompensa, sei que preciso cumprir o prometido e rabiscar qualquer coisa sobre este sentimento bonito.
Seria o amor bossa nova? Certa mistura de desencontro com o tempo e impossibilidades geográficas fazem com que bossa nova me lembre mais Tiradentes que o Rio. E Tiradantes me lembra frio, cerveja, caldos, bolinhos de bacalhau e amor. Muito amor e muitos beijos. Foi lá que gostei mais da letra que começou tudo. Tom, João e Vinícius em Chega de Saudade. Mais Tom e Vinícius, é verdade. E foi a mulher do último poeta que achou o verso infantil. Na visão dela, “peixinhos a nadar no mar” rimando com “beijinhos” era coisa muito da boba. Taí, isso posso afirmar do amor. É bobo, muito infantil. Mas, assim como a canção, atravessa os tempos, amacia opiniões, cria novidade da mais bonita e musical onde não existia nada, talvez por ser puro (ó, saíram as primeiras linhas).
No entanto, pensando bem (não se irrite comigo), a música talvez não seja mesmo a melhor fonte do momento, embora – também talvez – seja a melhor fonte para falar do amor. Complicado. É que depois de escrever do meu velho pai, de amor e de música, minha cabeça formou encruzilhada em nó. Uma história está martelando e o impulso é de contá-la, mas em poucas linhas, pois é do tipo que merece livro só dela.
Eliana é mulher que ninguém acredita que chora. Sorri e fala tanto que todos pensam,“com certeza não lhe sobra tempo para lágrimas”. E é linda.“Aos sessenta e poucos, com esses olhos azuis vivos e tanto fôlego para dançar, isso é coisa de quem não chora”, murmuram aos montes. Mas sei que chora, lá no seu íntimo de mulher, sei que chora. Certo dia, ao encontrá-la, deparei-me com um olhar que misturava as marcas de noite vivida em claro e o brilho do primeiro beijo. E o motivo era divino. Recebeu, às tantas da madrugada, a visita de seu amado. Conservando velhos hábitos, ele explicou que foi vê-la, falou da saudade, acariciou e repousou zelando pelo seu sono. Não lembro se realmente aconteceu o beijo, mas de certo não era necessário. Há quem vá acreditar que é coisa de espírito. Outros de fé, de alma. Talvez creditem até à imaginação. Penso ser de Deus. Ou de amor.
Horas depois de o amado partir, enquanto contava o caso contendo as lágrimas, a linda mulher me mostrou, sem precisar dizer em palavras. O amor que inflama doce-e-intensamente em vida, não apaga jamais. De uma forma ou outra sempre segue com o par. Ou nos filhos. É bonito como cada mulher que ama. É eterno sim, acredite ou não. É humano e divino. Triste e simples como a mais sofisticada moda de viola e animado como o mais belo samba enredo. É uma manhã de domingo em qualquer lugar que toca a música dos pássaros. É um entardecer na carioca e mineira Tiradentes, sempre ao som de bossa nova. É infantil por ser puro. Queima por ser desejo de adulto. Quem sabe o que quer dizer amor, não é mesmo mestre Milton? A gente sabe o que é. Sente, mas não conta com exatidão. Pois o máximo que consigo explicar do amor é isso. É coisa bonita que se aprende com mãe. E que o meu dure assim. Agora preciso escutar Zeca e abrir uma cerveja.
Sinceridade sobre carros e sobre ela
Deixo o alerta: alguém que recebeu nome de piloto tem uma relação complicada e estreita em demasia com automóveis. Um envolvimento mais sentimental? Talvez. Fato é que eu poderia ser só o cara que gosta muito de fuscas. Mas nem sempre as coisas foram assim. Fui também a criança que esbravejava a cada ameaça da mãe de comprar um exemplar do besouro – atitude que, convenhamos, só pode mesmo ser explicada por algo de uma inorexável vaidade infantil. Mas os anos passaram e – ufa! – a opinião mudou.
Em 2006, comprei meu 1975 1300L. Sinceramente? Também por ter me encantado com ele, mas, sobretudo por ser o que a grana pagava. E aí fui descobrindo a história (um tanto quanto espúria) do modelo e a genialidade que a acompanha. Aprendi que é “cool” rodar no apertado três volumes. Admito que, como aspirante a meio intelectual, meio de esquerda (peço licença à Antonio Prata), não curti isso. Detesto quando o retrô vira modinha. Principalmente entre a metade que se diz da esquerda, está na direita e vive no sul, fingindo com o barato e rústico e vivendo de um discurso da moda, poética e esteticamente falando. Ignoremos e vamos adiante.
Ao longo desses últimos seis anos o cabo do acelerador arrebentou dezenas de vezes, problema comum e um dos poucos erros – se é que dá para dizer isso – da engenharia do valente carrinho. A roda também soltou em três oportunidades, creio eu. Incêndios foram dois. Motor quatro, já que o primeiro não dava mais retífica. Também quebrei o câmbio, limpador de para-brisas e até o banco. Precisei mexer no gerador, carburador, trocar o platinado incontáveis vezes até substituir de vez a ignição, colocar novo assoalho e empurrá-lo, posso quase garantir, ao menos cinco centenas de vezes. Nada de “cool” nisso não é mesmo? Mas fui gostando de aprender a me virar nas situações de aperto, quando sujava a mão de graxa e me banhava com a liberdade. Fiquei viciado na independência que o veículo traz (qualquer um deles, é verdade) e o encantamento virou amor. Mas amor irresponsável, desses próprios de garotos com vinte e poucos anos.
Foi com o Fusca que – salvos alguns momentos incríveis com os amigos – fiz as maiores e mais absurdas cagadas. Melhor omitir os detalhes. Simplesmente digo que maltratei o carango e me maltratei. Pessoas que não são dignas do meu respeito povoaram ele aos montes. Ignorei minha segurança e, muito provavelmente, a de outras pessoas também. Aí o vovô que cortava as estradas chegou em 2010 sem rodar nem mesmo uma quadra.
Ainda bem que a gente cresce. Não sei se todos na mesma proporção, deve ter algo de divino ou humano nisso e com certeza cada qual tem seu tempo, mas de uma forma ou outra, antes de apodrecer, o fruto sempre amadurece. Há dois anos e meio, com quatro ou cinco outros de reconhecidas desventuras que assombravam as recordações boas, já tinha aprendido a lição. Só que ainda faltava algo ou alguém para que pudesse entender a razão de tanto malfeito. Veio a Juliana. Linda, cheia de luz e vida, mudando tudo. Destruindo conceitos burros e resgatando minha essência de menino. E mostrou que é dessa criança que viria o homem e não da superfície rasa de desacertos da mocidade.
Sou vaidoso. Acho que sempre fui. E é lógico que queria levar a namorada tão especial para passear de carro. Aí decidi arrumar o Fusca, numa quase volta aos tempos desencontrados. Troquei motor mais uma vez, arrumei coisa ou outra e armei a surpresa. Buscá-la na porta de casa no Ouro Preto – simpático bairro belo-horizontino no qual tenho, hoje, o prazer de morar. Da região da Pampulha até a cidade de Contagem são 18 km. E curti e suei de nervosismo cada metro, naquele que foi o trajeto mais feliz pelo qual tive a oportunidade de guiar. Aí, em um lance meio House (aquele médico enlatado da série que gosto), veio o entendimento como em um clique.
Desde aquele dia, talvez não tenha rodado nem 5 km com meu Volkswagen. Como “quem é pobre financia” e jornalista se encaixa bem nessa máxima, me amarrei em cinco anos de plantões futuros para poder pagar um carro novo, prata e sedã, longe de ser descolado, mas digno da dama e longe de encrencas. E se o clássico bege trouxe mais aprendizado, foi com o automóvel de “tiozão” que vivi os momentos mais felizes da minha vida, as viagens inesquecíveis, os dias perfeitos, sempre ao lado dela, que de namorada já tinha sido promovida à noiva e precisava ser levada para igreja. E é lógico que o veículo mais novo foi o escolhido. Também não tem muito conforto, é verdade, mas aquelas engrenagens estão cheias de histórias nossas, responsáveis e deliciosas. E assim foi.
Mas, e tem de haver esse “mas”, queria começar nossa vida de casados repetindo a alegria daqueles 18 km por pelo menos 500 metros. E decidi que o primeiro passeio depois da igreja seria no Fusca que, fica a ressalva, segue longe de poder recebê-la como merece. Roda presa com dois parafusos, freio frouxo, cabeçote do chassi podre, uma cera para poder disfarçar os arranhados do tempo, muitas latas e corações de giz e lá foi ele, irresponsavelmente roncando na saída do altar e nos cinco quarteirões seguintes até o destino. Como minha retribuição ao professor, o passeio com a linda esposa. Para ela, como presente, a certeza de que percorreremos todas as estradas juntos. De Fusca um dia, quem sabe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário